ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

26.1.15

QUAL O TEATRO MAIS ANTIGO DO RIO DE JANEIRO?

A pergunta “Qual o teatro mais antigo do Rio?” tem duplo sentido. Você pode querer saber qual dos teatros atualmente existentes no Rio é o mais antigo, ou qual foi o primeiro teatro aberto no Rio? Vamos por partes.

DOS TEATROS ATUALMENTE EXISTENTES QUAL O MAIS ANTIGO?

Se você entrar na página do Teatro João Caetano no site da Secretaria de Cultura vai ler que é “a casa de espetáculos mais antiga da cidade”. Também na Wikipedia você lerá que "o Teatro João Caetano é [...] o mais antigo da cidade do Rio de Janeiro", o que é verdade se levarmos em conta o João Caetano propriamente dito, em sua "encarnação" atual de 1930, e a sucessão de casas de espetáculo que o antecederam naquele mesmo espaço.

Tudo começou em 1813 com a inauguração ali do Real Theatro de São João, o primeiro grande teatro do país e uma das primeiras construções neoclássicas da cidade (antes mesmo da chegada da Missão Artística Francesa), destruído em 1824 por um incêndio do qual foi testemunha ocular o viajante germano-báltico Ernst Ebel: "Quando eu me dirigia, enfim , para casa, assustou-me de súbito o alarme de um incêndio. Indagando apontaram-me o Largo do Teatro, para onde dirigi-me às pressas. Ainda distante, já via o imenso clarão e, ao aproximar-me estava o teatro todo envolto em chamas."

No mesmo local inaugurou-se em 1826 o Imperial Theatro de São Pedro de Alcântara, tendo sido arrendado em 1843 por João Caetano dos Santos, a mais importante figura do teatro brasileiro do século XIX — é dele a estátua diante do teatro. O teatro (na época iluminado a luz de vela!) sofreu vários grandes incêndios e foi sucessivamente reconstruído. Ali estrearam as principais peças de Martins Pena, o primeiro autor brasileiro a escrever sobre situações e personagens tipicamente nacionais, e se apresentaram as duas maiores atrizes do século XIX: Eleonora Duse e Sarah Bernhardt. Em 1928, o prefeito Antonio Prado Júnior determinou a demolição do teatro (que em 1923 passara a se chamar João Caetano) e em seu lugar foi erguido o Teatro João Caetano atual, inaugurado em 1930. Recentemente foi “modernizado” assumindo a feição da quarta foto abaixo. 

Mas mesmo levando em conta apenas a "encarnação" atual, o João Caetano continua sendo nosso teatro (existente) mais antigo se não contarmos o Theatro Municipal (de 1909, que na verdade é uma "sala de concertos") nem o Cinema Íris (de 1922, que originalmente foi um "cine-theatro", onde se filmaram cenas da minissérie Dercy de Verdade, hoje o cinema mais antigo do Rio e exibindo filmes pornôs). O teatro foi inaugurado em 1930. Em 1932 seria inaugurado o Teatro Carlos Gomes, em 1934 o Teatro Rival, em 1935 o Teatro Regina que em 1946 passou a se chamar Dulcina, em 1938 o Ginástico e em 1940 o Serrador, atual Brigite Blair II (Fonte: site Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro.)

"Theatro Imperial" em gravura de W. Loeillot de 1835 (observe à direita as torres da igreja de S. Francisco de Paula).

Gravura de Friedrich Pustkow do "Theatro S. Pedro de Alcantara", do álbum "Vistas do Rio de Janeiro" de 1850. Gravuras obtidas na Biblioteca Nacional Digital.

Teatro São Pedro de Alcântara em foto de Augusto Malta de 1928, pouco antes da demolição.

Teatro João Caetano em 1950. Foto de José Medeiros obtida no site do Instituto Moreira Salles. Na época estava sendo encenada a "sensacional e cômica revista de Renato Murce e Lauro Borges "DEIXA QUE EU CHUTO..." com a "rainha do rádio" Marlene e Clea Susana.

Teatro João Caetano em foto de 2010 após a "modernização"

Estátua do ator João Caetano em frente ao teatro

Painel de Di Cavalcanti, com temática musical, de 1931 (e modificado em 1964), tombado no nível estadual, que pode ser visto na sala de exposição do teatro, na subida para o balcão superior. 

Chacrinha, o Musical, encenado no verão de 2014-15

Em suas Memórias para Servir à História do Reino do Brasil (Ano de 1813, item 21) o Padre Perereca (Luís Gonçalves dos Santos) descreve a inauguração do Real Theatro de São João:

No dia 12 de outubro [...] abriu-se o referido teatro, fazendo-se nele a primeira representação, que foi honrada com a augusta presença do Príncipe Regente Nosso Senhor [futuro rei D. João VI], e de grande parte da sua real família, no meio de um luzidíssimo concurso [=afluência] de toda a fidalguia, e das pessoas mais distintas desta Corte. Este Real Teatro, situado no lado setentrional da espaçosa Praça do Rossio [atual Praça Tiradentes], traçado com gosto, e construído com magnificência, a ponto de emular os melhores teatros da Europa, tanto pelo aparato de formosas decorações, pompa do cenário, e riqueza do vestuário, quanto pela grandeza, e suntuosidade do real camarim, cômodo, e asseio das diferentes ordens dos camarotes, amplidão da plateia, e outras qualidades, que se requerem nos edifícios desse gênero, é um dos monumentos públicos, que começam a adornar a capital do Brasil, e a aformosear a nascente Corte deste novo Império. 

O viajante Ernst Ebel, em sua obra O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824, assim descreve o teatro: “Internamente o edifício tem as dimensões da Ópera de Berlim e é de admirar-se sua decoração a ouro sobre fundo verde, a plateia sendo guarnecida de bancos e havendo três ordens de camarotes mais uma galeria. O camarote imperial ocupa todo o fundo e é ricamente ornamentado.

Na pág. 13 de O Xangô de Baker Street Jô Soares descreve a apresentação de Sarah Bernhardt no velho teatro: “A plateia que aplaudia emocionada sentia estar vivendo um momento histórico no teatro do Brasil. Há meses a cidade inteira se preparara para recebê-la e o Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara, na praça da Constituição, no Rossio, tinha sido reformado para esperar sua chegada. O camarim fora redecorado por madame Rosenvald, da Casa das Parasitas, na rua do Ouvidor, e ampliado segundo instruções do secretário da atriz, enviadas antes por carta. [...] No palco, a deslumbrante, a única, a eterna Sarah Bernhardt agradecia em francês os aplausos brasileiros.” 

O Real Theatro de São João em desenho do austríaco Thomas Ender, que chegou no Rio de Janeiro em 1817, na comitiva da arquiduquesa Leopoldina

QUAL FOI O PRIMEIRO TEATRO ABERTO NO RIO?

Quem nos dá a resposta é o historiador Nireu Cavalcanti em sua obra clássica O Rio de Janeiro setecentista. Na época colonial, explica Nireu às páginas 172-34 de seu livro, "ópera" significava também peça de teatro, e "casa de ópera" era o mesmo que teatro. "No Rio de Janeiro setecentista chegaram a funcionar simultaneamente duas casas de ópera, ambas construídas — presume-se — a expensas de um único e mesmo empresário, que não possuía sócios: Boaventura Dias Lopes [também conhecido como Padre Ventura]. A primeira delas, a Ópera Velha, foi construída no mínimo um pouco antes de 1748 — data de sua mais antiga referência. [...] Tratava-se de teatro simples, com apenas um andar superior para os camarotes e um palco de pouca profundidade. [...] Por sua vez, a localização da Ópera Nova vem indicada num mapa cuja datação se acerca dos anos 1758 e 1760. Bem ao lado do Paço e ao fundo do prédio da Cadeia e Senado da Câmara dos Vereadores (atual prédio da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) aparece no mapa o nome 'Ópera'." (Este mapa é o primeiro da nossa postagem Mapas Antigos do Rio de Janeiro, que você pode acessar clicando aqui.) 

Um comentário:

Waldir do Val disse...

"Caríssimo Ivo, você sempre nos brindando com belas antiqualhas, e revelando autores para nós quase desconhecidos. Fiquei surpreso também com a possibilidade de obter imagens da Biblioteca Nacional e da Moreira Salles." (enviado por e-mail)